segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Nicolelis e Donald Hebb por Gilson Lima

Miguel Nicolelis tem sido uma das maiores referências dos últimos anos da ciência brasileira. Todos já conhecem minha critica científica de a sua abordagem do "cérebro" ainda que cada vez mais tendendo - no meu entender equivocadamente  -para uma versão cognitivista do cérebro computável e uma visão assimbiótica da vida e do corpo.  
Tenho acompanhado, dentro do possível, seus escritos e suas falas, aprendendo e discordando como se faz bem um aprendizado saudável e respeitoso mesmo com quem se diverge as vezes radicalmente.
Seu texto sobre a questão da aprendizagem de Donald Hebb é uma dessas coisas bem interessante que ele produziu. Recomento e vou destacar aqui algumas passagens.

Segundo Nicolelis,  Hebb em sua ciência do comportamento é dos livros mais citados e menos lidos dos estudiosos do cérebro e da mente, mas a contribuição de Donald Hebb - para ele - foi imensamente maior do que a sua famosa lei do aprendizado que leva o seu nome:

“Ele (Hebb) foi o primeiro a declarar que “não existe a ditadura do neurônio único”, conta Nicolelis. O que existem são circuitos.

O importante assim é então estudar os neurônios em sociedade, essas frágeis células atuando em redes. O que importa agora para entender o comportamento são os cliques neurais. Uma comunidade de neurônios em ação se formando e se autoformando. Vejamos o que nos diz Miguel Nicolelis sobre um de seus mais importantes pressupostos, de sua maior influência teórica e aplicada: Donald Hebb e sua visão do aprendizado celular em redes.

Segundo Nicolelis:

... "Donald Hebb o psicólogo canadense autor do livro A organização do comportamento, publicado em 1949 se tornou um grande clássico da neurociência moderna, mais ou menos 30 anos depois da publicação. E também se transformou num dos livros mais citados e menos lidos da eurociência moderna, porque o número de citações desse livro é gigantesco e se refere a um parágrafo onde Hebb trata de uma lei do aprendizado, uma lei que se transformou, que ganhou o seu nome, tornando-se uma regra de aprendizado que foi chamada de Lei do Aprendizado de Hebb. Todavia, o livro inteiro, por isso que eu digo que ele é citado, mas pouco lido, trata da teoria que Hebb lançou de como os circuitos neurais deveriam, na realidade, funcionar. Na contramão de toda neurociência da época, que se dirigia, a passos muito rápidos e largos, a focar no neurônio isolado, na célula neuronal, como a unidade funcional do sistema nervoso, o Hebb falou,

“Não, está tudo errado, não existe a ditadura do neurônio único, o que existe é a democracia do circuito neural, onde cada neurônio tem uma importância muito pequena, em que é só o conjunto dos milhões de neurônios, distribuídos por todo o cérebro, que verdadeiramente define qualquer que seja a função neural que você queira estudar ou definir”.

Continuamos com Nicolelis:

..."Basicamente, Hebb criou a noção do código distribuído neural, que na época foi considerado um fracasso total. Ele não tinha evidência experimental nenhuma, ele se baseava numa série de estudos de lesões cerebrais, realizados pelo seu orientador na Yale [Universidade de Yale], que não quis assinar o livro com ele, que se recusou a ser co-autor do livro, isso foi devastador para a vida do Hebb. Mas basicamente ele criou uma nova era, sem que ninguém percebesse, o que é muito característico da ciência. De repente alguém começa a falar alguma coisa que 90% da área diz que é um total absurdo, só para lembrar ou aprender 30 anos depois que esse era o caminho a ser seguido, mas foi abandonado. Niclolelis escreveu que geralmente essas pessoas não insistem, não persistem naquela idéia, e ela morre pela simples inanição do suporte humano, que, como nós todos sabemos, é pequeno em qualquer área como essa, onde a competitividade intelectual é tão intensa".

Ainda Nicolelis:

"Hebb era um cara teimoso, como todo canadense que nasce no meio da tundra, tem apenas quatro horas de sol por dia, então ele insistiu, insistiu e definiu o que se transformou no conceito, em minha opinião pelo menos, mais influente da neurociência dos últimos 20 anos, que é o conceito da população neural, ou do cell ensemble, neural ensemble, o conjunto neuronal, que reza desde 1949 do ponto de vista teórico e infelizmente levou mais ou menos 60 anos para a gente chegar num ponto em que podemos testar as idéias que o Hebb colocou no papel. Esse conceito reza que é uma coleção difusa de neurônios distribuídos por múltiplas estruturas neurais que forma a unidade funcional do sistema nervoso, seja qual for o comportamento que você estiver interessado em entender, como os nossos sonhos, a nossa capacidade de prever o futuro, as nossas memórias, os nossos comportamentos motores, a nossa habilidade de ouvir o avião passando aqui em cima, de falar, de esperar algo, de antecipar algo, qualquer comportamento, ingerir alimentos, controlar o nosso ciclo cardíaco, o nosso ciclo de sono, enfim todas essas funções só ocorrem a partir de um conjunto de neurônios atuando como uma orquestra, atuando como um coral, atuando quase como uma verdadeira democracia neural, onde todos votam, mas onde o voto individual, apesar de fundamental, vale pouco, porque é o conjunto desses votos neurais que define o resultado dessa suposta eleição cerebral. E foi assim então que durante muito tempo os neurofisiologistas se encontravam num grande dilema.
A maioria da área, a maioria dos fisiologistas atuando na área que evidentemente investiram pesado numa série de avanços tecnológicos, decidiu que o experimento a ser realizado, para definir, descobrir o código neural, seria ouvir a atividade ou mapear, ou quantificar a atividade neural de uma única célula de cada vez. E durante 40 anos toda, ou a grande maioria, da neurociência, da neurofisiologia, se dedicou a criar tecnologias que permitissem um único eletrodo, um filamento de metal revestido com uma camada de plástico, introduzido no sistema nervoso de tal sorte que a gente pudesse registrar a atividade elétrica de uma célula de cada vez. Uma vez que você registrava uma célula, você mudava para outra, e aí para outra, e aí para outra. A idéia era mais ou menos - hoje em dia é fácil falar porque a gente tem a perspectiva de ver a história, mas foi uma técnica que revolucionou a neurofisiologia e todo mundo que era alguém na neurociência nos anos 1950, 60 e 70 se dedicou a esse tipo de metodologia - como ir para uma ópera e só ouvir Maria Callas cantar e esquecer todos os outros participantes da ópera, e ignorar o que eles tinham a dizer durante toda a execução do libreto. Ou tentar ir para a Floresta Amazônica, que é um exemplo um pouco mais apropriado, e tentar entender como o seu ecossistema funciona analisando uma folha de cada vez. Meio complicado, não é?"

A influência de Hebb no âmbito experimental das atividades de Nicolelis também ficam evidentes. Segundo ele mesmo. Vejamos:

"A alternativa experimental que o Hebb propôs pode ser então entendida do seguinte modo sintetiza Nicolelis: "em vez de um eletrodo, usar centenas, milhares de eletrodos e escutar toda a ópera, escutar mais vozes, talvez não todas as vozes, mas a maioria, ou um número razoável que lhe permitisse ter uma visão um pouco mais ampla do que é que era o libreto que você tava tentando decodificar".

Segundo Nicolelis na analogia da floresta, é tentar examinar a fisiologia de múltiplas árvores em vários locais da floresta ao mesmo tempo, na tentativa de reconstruir as leis fundamentais que regem aquele ecossistema. É mais ou menos essa a analogia e esse o embate que a neurofisiologia teve durante 50 anos. Até que nos últimos 20 anos novas tecnologias nos permitiram realizar exatamente o que o Hebb propôs em 1949. Começar a escutar a atividade elétrica de populações de neurônios simultaneamente em animais treinados a realizar uma série de comportamentos.

Por fim sintetiza Nicolelis:

 "O que essa habilidade tecnológica nos conferiu foi a possibilidade de começar a buscar respostas para as questões fundamentais levantadas por Hebb e outros teóricos ao longo dos últimos 40 anos. Basicamente as questões são essas: qual é o mínimo tamanho de uma população neural que é capaz de sustentar um comportamento qualquer? Vamos lá, mexi o meu braço nessa direção, quantos neurônios atuaram? Um neurônio não dá, nós sabemos disso. Se você estiver mapeando a atividade de uma única célula, você vai ver, se você tentar fazer esse comportamento repetitivamente, não há como você reproduzir esse comportamento usando a atividade de uma célula, não importa quão precisa seja a célula do cérebro. Agora, se você começar a juntar células, qual é o número mínimo de neurônios atuando em conjunto que vai lhe permitir que isso seja feito? Esse número é sempre o mesmo? Ou ele varia? Os neurônios que participam dessa população são sempre os mesmos ou podem ser sorteados de uma grande população e fazer parte de um grupo que basicamente é usado a cada momento no tempo para produzir um comportamento em particular? Quais são os fatores que influenciam a dinâmica de interação dessa população? Quais são os resultados, quais são os parâmetros que uma população fixa de neurônios pode produzir? Será que a gente pode extrair múltiplos parâmetros simultaneamente de uma mesma população? Ou seja, será que essa população tem a capacidade de realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo? E, finalmente, quais são os mecanismos fisiológicos que permitem que diferentes células se agrupem em diferentes combinações de neurônios e permitam realizar o mesmo comportamento?".

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Então tá. Minha posição sobre esse caminho importante, mas assimbiótico de Nicolelis - estará cunhada mais adiante para aqueles que ainda aventurarem me seguir por aqui nos intrincados becos do labirinto desse meu blog.
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Gilson Lima – Sociólogo da Ciência – CNPQ. Pesquisador do Research Committee Logic & Methodology and at the Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA).  E-mail: gilima@gmail.com Blog: http://glolima.blogspot.com/

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